Nogueira

Nogueira

Fable 3



Se ao menos a vida fosse tão fácil como fazer tartes em Albion. Com poucos minutos a amassar conseguimos juntar o suficiente para comprar, restaurar e mobilar uma casa, e esta é apenas uma das muitas maneiras de amealhar uns trocos em Fable III. Mas isto é um videojogo, pelo que o contraste entre esta qualidade de vida e a opressão que o povo de Albion sofre às mãos de um rei tirano é algo que se ignora de bom grado.
Ainda mais quando o novo jogo da fábula em cinco episódios imaginada por Peter Molyneux e pela suaLionhead nos acolhe, mima e convida a conhecer um mundo de dimensões consideráveis e cheio de possibilidades. Nem tudo explorado da forma desejada, mas tomara muitos jogos chegarem sequer a metade do potencial de Fable III.
Vamos começar uma revolução
Este conto começa como muitos outros. O nosso irmão mais velho é um rei tirano e Albion sofre com as suas decisões, sendo um reino onde a classe alta pisa e abusa da maioria pobre. O início do jogo é a gota de água para o nosso jovem herói, que tem desde logo uma decisão terrível para fazer: salvar da execução a sua amada ou alguns rebeldes. Molyneux continua a explorar em Fable a moralidade do jogador, colocando-o perante situações que não são preto no branco; não há uma decisão certa e há sempre alguma consequência.
DECIDIDAMENTE, O HÁBITO NÃO FAZ O HERÓI.
Abandonado o castelo e a vida de abundância, o herói segue acompanhado pelo seu fiel cão, uma ajuda importante para achar tesouros e para aquelas gracinhas que estes amigos felpudos fazem, mas pouco mais do que isso. O mordomo também nos acompanha, ele que nos vai apresentar em detalhe o nosso santuário, refúgio onde podemos aceder ao nosso arsenal, roupas, promessas eleitorais (sim!), tatuagens e, mais importante, ao mapa de Albion e missões à nossa disposição. Este é o ponto de passagem obrigatório na nossa revolução, na tentativa de convencer diversos povos de que somos o herói que poderá derrubar o rei tirano. Mas para isso é preciso ficar bem visto… muito bem visto.
Para tal, Fable III abre o livro e oferece-nos possibilidades a perder de vista. Querem doar algum dinheiro aos pobres? Podem fazê-lo. Interagir com um aldeão em particular com expressões à maneira de um Sims (dançar, fazer graçolas, arrotar… casar, ter relações, filhos)? Devem fazê-lo. Cumprir missões de resgate ou de puro entretenimento? É essencial. Este é um jogo que quer ser tudo ao mesmo tempo, tentando fugir de rótulos que são regularmente diminutivos, e mais uma vez consegue. Chamemos-lhe um RPG, certo, mas de uma maneira diferente à que faríamos com um Elder Scrolls ou um Gothic.
Se as primeiras missões não se revelam particularmente inventivas – percorrer uns subterrâneos enquanto despachamos vários esqueletos não é nada emocionante – , as coisas acabam por melhorar mais para a frente, mostrando mesmo uma imaginação que nos rouba um sorriso ou outro. Sermos arrastados para dentro de um livro por um fantasma e termos de representar as suas peças já é um bom começo, mas um toque de génio surge quando um grupo de magos fanáticos de role-play – aquele a sério, com bonecos e tudo – nos reduz e coloca num tabuleiro para salvar a princesa… de papelão. No meio de algumas missões rotineiras é sempre um prazer encontrar estes toques inventivos, num mundo cheio de humor. Como novidade, podemos dar a mão a outras personagens, seja em casos românticos, de resgate ou parecido. Correr desalmadamente de mãos dadas é algo menosprezado nos dias que correm, terá pensado a Lionhead.
COLLANTS E BIGODES RIDÍCULOS OPCIONAIS.
Claro que um herói que se preze tem de saber dar cabo do couro aos inimigos, e este não é excepção. Pelo contrário, com a sua versatilidade (espada, pistola e feitiço em simultâneo) e a rapidez com que devora níveis de experiência (na Road to Rule, um nível etéreo onde gastamos em novas capacidades as insígnias que conquistamos), o combate acaba por se tornar fácil. Não que seja uma decisão plenamente errada, já que Fable III é um jogo para ser vivido, não para nos bloquear perante um conjunto de inimigos mais poderosos. E depois, alguns movimentos finais são bastante cinemáticos e agradáveis (com direito a câmara lenta), pelo que combater não é uma chatice, até é interessante.
Pior é a ausência de um mini-mapa ou algo que nos oriente em Albion. Ir ao santuário para inspeccionar o mapa e tentar perceber pela localização onde nos encontramos (nem aqui somos representados por um marcador) é francamente maçador e errado num jogo que supostamente tenta acomodar o jogador e poupá-lo a aborrecimentos. Torna-se complicado explorar os vastos cenários desta forma, e o polémico trilho brilhante (breadcrumb trail no original) torna as coisas demasiado fáceis, isto quando não decide desaparecer completamente e nos deixar desorientados. Aqui, Fable III acaba por ser vítima de decisões erradas, tentando oferecer algo novo (que já vem de Fable II) mas que nos parece penalizador para a jogabilidade. Uma questão moral que a Lionhead tem em mãos?
Rei morto (ou despromovido), rei posto
Após destituirmos o malvado rei Logan e tomarmos o seu lugar, eis que Albion começa a ser vista com outros olhos. Será que todos os seus problemas (prostituição, trabalho infantil, impostos…) podem realmente ser erradicados? O facto de ser mais fácil e barato optar pela via do mal (criar um bordel ou meter as crianças a trabalhar) quase que nos leva a pensar se tal coisa não foi feita propositadamente para nos levar à tentação. Ou se não será um paralelismo dissimulado com os difíceis dias que correm, onde tudo parece feito para prejudicar os mais pobres. Cada qual fará a sua interpretação, podendo mesmo perdoar Logan e integrá-lo na nossa armada, ou simplesmente matá-lo. À força de quererem criar dilemas morais fortes, leva-nos a perguntar se não existe um meio-termo em Albion? Uma expatriação, uma prisão, algo assim?
CERTAMENTE UMA TETRAVÓ DO HARRY POTTER.
O modo cooperativo é um extra interessante, mas acaba por não ser mais do que isso: um pequeno bónus num jogo que não precisava dele. Melhorando a experiência introduzida em Fable II, o multijogador coloca-nos com uma outra personagem a explorar em simultâneo a mesma zona, com a quantidade de inimigos a adaptar-se a tal. Felizmente, tudo que ganhamos online (armas, dinheiro) pode ser conservado. Apesar da possibilidade de interacção entre os dois jogadores (casar e divorciar incluído), este é um modo que entretém mas não vos fará mudar a opinião que tenham quanto ao jogo.
Visualmente, Fable III é mais um sucesso na série, sobretudo a nível dos locais que vamos atravessar. Apesar do tom industrial deste episódio – perfeitamente visível em Bowerstone –, muitos locais em Albion ainda não acompanharam a mesma revolução, mantendo o seu equilíbrio entre natureza e construções medievais. A falta de “organização” dos mapas dá um toque bastante credível ao ambiente, como se as casas e a flora tivessem sido ali colocadas sem segundos pensamentos. Pena que a evolução visual da personagem consoante as suas acções não seja tão vincada como nos anteriores jogos, mas Fable III é ainda assim um jogo muito rico, ajudado por melodias muito harmoniosas.
No final, esta pode ser uma revolução para Albion mas não para Fable. Neste aspecto, trata-se mais de uma evolução, sendo um jogo com mais possibilidades do que os anteriores, ainda que se lamente a sua facilidade e o aspecto RPG cada vez mais leve. Mas se ter Albion nas mãos, ainda por cima com uma embalagem tão atractiva como esta, não vos cativa, então não merecem mesmo ser reis de nada, nem que seja em videojogo.

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E do: The Pirate Bay

Aquarela Musical